quarta-feira, 28 de abril de 2010

Vozes Anarquistas

Paul Avrich

Por Eduardo Nunes

AVRICH, Paul. Voces anarquistas: historia oral del anarquismo en Estados Unidos. Madrid: Fundación Anselmo Lorenzo, 2004. 808p.

O autor desse livro é Paul Avrich (1931 - 2006) foi um professor e historiador. Ele ensinou no Queens College, New York, durante quase toda sua vida e foi imprescindível na preservação da história do movimento anarquista na Rússia e nos Estados Unidos. Filho de uma família judia originalmente de Odessa, Avrich viajou para a URSS como um estudante de intercambio em 1961 após a visita de Nikita Khrushchev para os Estados Unidos em 1959. Enquanto trabalhava em sua tese, sobre a Revolução russa e os Comitês de Fábrica, ele pesquisou a rebelião de Kronstadt e o papel dos anarquistas na Revolução Russa. Estas informações lhe permitiram produzir e abrir caminho para trabalhos importantes nestes assuntos.

Ensinando na Queens College, ele buscou comunicar aos seus estudantes o "afeto e senso de solidariedade dos anarquistas como pessoas, em lugar de como militantes." Ele foi descrito como um amigo confiável de muitos anarquistas mais velhos que ele conseguindo entrevistá-los, preservando as histórias deles/delas para a História.

Ele escreveu extensivamente tópicos relacionados ao anarquismo, inclusive livros sobre Sacco e Vanzetti, Haymarket Riot e a Rebelião de Kronstadt. Outros trabalhos importantes incluem uma biografia de Voltairine Cleyre, O Movimento da Escola Moderna (um estudo inspirado em um programa educacional anarquista), e Retratos Anarquistas. Ele também editou a importante coleção de história oral, Vozes Anarquistas e falou regularmente no Libertarian Book Club em Nova Iorque. Avrich doou sua coleção de quase 20.000 livros entre publicações e manuscritos anarquistas, americanas e européias, para a Biblioteca do Congresso. (Pesquisa sobre Avrich realizada In: http://en.wikipedia.org/wiki/Paul_Avrich)

Neste livro, Voces anarquistas, editado pela Fundación Anselmo Lorenzo em 2004, Avrich apresenta 180 entrevistas das mais de 200 que realizou no período entre 1963 e 1991 nos Estados Unidos. Divide o livro em 6 partes: Os pioneiros, Emma Goldman, Sacco e Vanzetti, Escolas e colônias, Anarquistas de outras culturas e nacionalidades e, a Década de 20 e anos posteriores.

Ele adverte que nem todos os entrevistados são anarquistas, como por exemplo, Leon Shapiro, embora menchevique, manteve relações com anarquistas russos (Makno, por exemplo), entrevistou o advogado de Emma Goldman, duas de suas secretárias, duas testemunhas do caso Saco-Vanzetti e vários familiares, amigos e colaboradores de anarquistas, como por exemplo, os filhos de Johann Most, de Rudolf Rocker e o de Joseph Labadie; a filha de Kropotkin, a de Benjamin Tucker e de Gustav landauer e um neto de Nicola Saco. Entrevistou também a Daniel Guérin, Sam Dolgoff entre outros.

Nas 808 páginas de seu livro, as perguntas elaboradas por P. Avrich aos seus entrevistados procuram resgatar a importância do movimento anarquista, segundo ele, pouco compreendido, como também muito pouco conhecido os seus objetivos e sua natureza, além disso, acrescenta ainda, que nenhum grupo foi tão caluniado e mal interpretado pelas autoridades e pelo público. Por isso a importância destes depoimentos, para mostrar quem foram em realidade os anarquistas, que tipo de pessoas eram, por que se tornaram anarquistas, em quais atividades participaram, como reagiram em relação aos insultos das pessoas e a perseguição e repressão dos representantes oficiais. O que pretendiam e o que conseguiram? Modificaram suas noções sobre o anarquismo com o passar dos anos? Arrependeram-se de algo ou se sentiram desenganados?

O livro é uma importante fonte para todos que queiram estudar o anarquismo, ademais, o autor reúne a história de pensadores anarquistas das mais variadas tendências e de suas famílias: o anarquismo individualista, o anarquismo coletivista, o anarquismo comunista e o anarcosindicalista. Para além dos teóricos anarquistas, os relatos mostram os anarquistas de carne e osso, suas relações familiares, a educação de seus filhos, o carisma e a antipatia de uns e outros.

Gostaria de destacar das 180 entrevistas elaborados pelo autor, simplesmente, pelo pouco espaço disponível e, como forma também, de aguçar a leitura de todos os interessados pela temática, a da filha de Kropotkin, Alexandra, conhecida como Sasha, uma das entrevistas que mais gostei.

Alexandra nasceu na Inglaterra em 1887 e faleceu em 4 de julho de 1966 com 79 anos, filha única de Kropotkin (1842-1921). Com a queda do czarismo na Rússia em 1917 ela foi com seus pais para lá e voltou logo após a morte de seu pai em 1921 pois era contrária a ditadura bolchevique. Viajou para Nova Yorque, onde ficou morando e viveu escrevendo artigos para revistas, também escreveu um livro sobre a culinária russa. Embora não fosse anarquista, segundo Avrich (p.37), “guardou com grande carinho recordações de seu pai, deu conferências sobre ele no Libertarian Book Club e se manteve em contato com os companheiros”.

Logo no ínício da entrevista ela pergunta a Avrich: Está escrevendo uma história sobre o anarquismo russo? O que está tentando provar? Ela responde rapidamente: “Só há uma coisa importante, os filhos da puta dos comunistas queriam o poder. E lhe direi mais, havia um bocado de “cabrones” (sacanas, cornos) entre os anarquistas também.” (p.36).

Sasha, fala do ódio que tem pelos políticos e aos que buscam o poder e ressalta que o seu pai, Pedro Kropotkin, se negou a ver apenas um homem durante os anos que viveram na Inglaterra, Lenin, quando ele esteve para uma conferência lá no início do século XX. Ele aceitava encontrar com todo mundo desde o imperador japonês até o anarquista mais assustador. Kropotkin lhe ensinou a lutar com bastões, pois acreditava que as mulheres deveriam aprender a se defender.

Ela conta que quando Kropotkin voltou a Rússia em 1917, Kerenski lhe ofereceu um cargo ministerial, o da Educação. Segundo Sasha, seu pai respondeu indignado: “Não sabe que sou anarquista? Deppois Kropotkin conhece Lenin (a quem não quis encontrar na Inglaterra) num apartamento de Bonh-Bruevich. Emma Goldman visitou tambem ele em Dmitrov. Quando Kropotkin morreu, Lenin ofereceu uma cerimônia oficial e que fosse enterrado nos muros do Kremlim, mas Sasha recusou. Foi enterrado pelo ritual religioso junto a seus antepassados no monastério Novodevichii. Durante o cortejo fúnebre, quando passou pela prisão de Butirki, os prisioneiros, em homenagem, golpearam os barrotes das janelas e cantaram o hino fúnebre anarquista.

Ela ainda conta que escondeu até que tudo ficasse calmo um anarquista chamado Rubinchik que organizou a rebelião de Kronstadt. No final da entrevista sugere alguns nomes que Avrich poderia entrevistar, inclusive a Mark Mratchny que é psicanalista. E encerra a entrevista dizendo: A psicoanálise é uma merda, sabe?

Vale a pena conhecer um pouco dessa história. Nosso único exemplar, comprado diretamente da Fundação Anselmo Lorenzo, está disponível na biblioteca José Oiticica do ISVA para consultas.

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