quinta-feira, 29 de abril de 2010

Anarquismo e Antropologia


Por Hilda Braga



MARTINEZ, Beltran Roca (org.). Anarquismo y Antropología: relaciones e influencias mutuas entre la antropología y el pensamiento libertario. Madrid: LaMalatesta Editorial, 2008, 269p.


Publicado em espanhol, o livro reúne ensaios de pesquisadores ingleses e espanhóis afinados com a questão libertária. São dez artigos que vão discutir os pontos em comum entre as idéias anarquistas e a antropologia desde a sua formação até a atualidade.

A idéia do livro organizado por Beltran Martinez surgiu do contato com David Graeber e da leitura de seu livro Fragments of an Anarchist Anthropology, e foi através da revista Anarchist Studies dirigida por Sharif Gemie, professor da School of Humanities and Social Sciences da Universidade de Glamorgan (Reino Unido) que ele identificou professores pesquisadores interessados na questão libertária dando início ao projeto desse livro.

O livro está dividido em quatro partes. Na primeira, temos Brian Morris com “Do anarquismo e antropologia: afinidades electivas” e Abel Al Jende Medina em “Possíveis contribuições ao anarquismo a partir de uma prática antropológica não profissional nas redes sociais locais”. Na segunda parte, os dois textos são contribuições para uma análise do poder em que Harold Barclay e Félix Talego Vázquez vão discutir a visão do anarquismo sobre poder, autoridade e dominação. Harold Barclay, ao contrário de Foucault e Weber, ressalta a questão do poder em igualdade ou mutualidade. Apresenta uma abordagem próxima ao que Pierre Clastres constatou sobre o poder disseminado na sociedade e exercido por todos, tomando o exemplo das sociedades tribais em que o papel do chefe é meramente aquele que tem o dom da palavra sem o exercício da dominação coercitiva. Já o artigo de Félix Talego defende a tese de que todos os tipos de autoridade em qualquer relação de dominação são construídos como mediadores, ou seja, todos aqueles que ao exigir obediência, o fazem invocando algum tipo de verdade superior. Sua argumentação é construída a partir de Nietsche, Weber e Bourdieu.

Na terceira parte, temos as “Novas abordagens sobre os movimentos contemporâneos” com David Graeber, Gavin Grindon e Jesus Sepúlveda. Destaco o ensaio critico que me interessou de David Graeber. Este faz uma desconstrução da idéia de choque de civilizações, da noção de civilização ocidental e democracia que não têm qualquer fundamento e revelam uma postura etnocêntrica e preconceituosa em relação às demais civilizações.

Finalmente, a quarta e ultima parte, em “Alternativas para o futuro com base no passado” temos Karen Goaman (o único artigo escrito por uma mulher) e John Zerzan, ambos discutem uma volta ao passado, embora Zerzan vá mais além em sua crítica. Karen Goaman defende o êxodo urbano, o despovoamento das cidades, a volta às culturas de pequeno porte baseadas na terra como meio para permitir aos humanos e a biosfera sanar e restabelecer-se.

Ao contrário de outras filosofias políticas, Beltrán Martínez reconhece que o anarquismo sempre teve um lugar marginal dentro do pensamento acadêmico como também foi muito mal entendido, ignorado e até mesmo, ridicularizado. Com a falência da teoria marxista após a queda do regime soviético tem-se voltado os olhares para a filosofia anarquista. E muito embora o movimento libertário tenha sido uma força predominante na Espanha, e ainda o é, hoje temos uma presença significativa de grupos de estudiosos do anarquismo nas universidades inglesas.

A antropologia ao se defrontar com o estudo das sociedades tribais vai realizar uma verdadeira revolução epistemológica, ao questionar as concepções teóricas dos finais do século XIX sobre a evolução social, raça e cultura, negando o evolucionismo social linear e a hierarquização das culturas humanas em superiores ou inferiores. A antropologia vai relativizar esse conhecimento a partir de seus estudos nas sociedades tribais.

O ensaio do inglês John Zerzan faz uma crítica contundente aos atuais e úteis conceitos de comunidade e tecnologia. Para ele não podemos falar de comunidade se não nos defrontamos cara a cara. Não existe nem comunidade global e nem virtual, mas sim uma forma de vida fria, feia e vazia em que as relações humanas estão cada vez mais tecnologizadas; e o comportamento humano está tornando-se mais estranho, patológico, com homicídios múltiplos, pessoas que não conseguem dormir, ampliando os índices das chamadas “doenças mentais”. Vivemos o mal estar da civilização e não tem nem mesmo psicanálise que dê jeito, ao contrário as “doenças mentais” tem tornado-se comum com um número crescente de medicações. Freud afirmou um século atrás que quanto mais civilização mais neurose.

Zerzan constata que estamos perdendo a luta contra a alienação e a degradação ambiental e precisamos questionar em seu nível mais profundo, essa sociedade de consumo que produz pessoas consumistas e passivas diante da vida moderna. Ele nos leva a refletir sobre a natureza da tecnologia que é a materialização dessa sociedade consumista, capitalista e moderna, fundada na divisão do trabalho e na hierarquia social. Por esta razão a tecnologia não nos liberta do trabalho. Lembra Marshall Sahlins que diz que quanto mais cultura simbólica, mais trabalho temos. Enquanto nós que necessitamos consumir, somos pobres e escravos do trabalho, os povos tribais, selvagens, caçadores e coletores de necessidades “escassas” vivem na opulência e com pouco trabalho. Para o antropólogo Marshall Sahlins, essas foram as primeiras sociedades da abundância e do lazer, no dizer de Pierre Clastres revelam uma sociedade contra o Estado.

Zerzan (p.259) ressalta que a essência do trabalho é expressa nas palavras sábias de Smohalla um nativo americano no século XIX:

Meus jovens não deveriam trabalhar nunca. Aqueles que trabalham nunca sonham. E a sabedoria vem a nós em sonhos. Me pergunta como cultivar a terra. Devo pegar uma faca e cravar no peito de minha mãe? Desse modo quando morra, ela não poderá levar meus restos a descansar. Me pedes que cave sobre uma superfície metálica. Deveria cavar sobre sua pele em busca de ossos?

Zerzan agrega que não é difícil constatarmos que a ação humana converteu-se em algo tão ameaçador para as espécies animais quanto para a nossa. Temos na história da ocupação norte-americana várias denúncias e críticas dos nativos sobre os efeitos nefastos da ocupação dos “brancos” no território americano. O exemplo dos povos tribais, sociedades organizadas em pequena escala, nos mostra que é possível uma outra forma de viver socialmente.

Sem sombra de dúvida, acredito que o livro contribui para repensarmos o debate atual da sociedade do consumo ao da globalização como também para aproximar e reunir aqueles que como diz Beltrán Martinez são apaixonados pela antropologia e pelo anarquismo.

ISVA - uma escola libertária

O Instituto Socioambiental de Valéria funciona na periferia da cidade de Salvador - Ba, num bairro segregado do restante da cidade, porém próximo ao parque São Bartolomeu, uma riqueza sócioambiental esquecida pelos poderes e devastada pela poluição urbana. ISVA tem hoje uma Biblioteca e funciona uma Escola sem moldes, sem hierarquias, sem salas de aula, ou melhor, as salas de aula são ao ar livre.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Vozes Anarquistas

Paul Avrich

Por Eduardo Nunes

AVRICH, Paul. Voces anarquistas: historia oral del anarquismo en Estados Unidos. Madrid: Fundación Anselmo Lorenzo, 2004. 808p.

O autor desse livro é Paul Avrich (1931 - 2006) foi um professor e historiador. Ele ensinou no Queens College, New York, durante quase toda sua vida e foi imprescindível na preservação da história do movimento anarquista na Rússia e nos Estados Unidos. Filho de uma família judia originalmente de Odessa, Avrich viajou para a URSS como um estudante de intercambio em 1961 após a visita de Nikita Khrushchev para os Estados Unidos em 1959. Enquanto trabalhava em sua tese, sobre a Revolução russa e os Comitês de Fábrica, ele pesquisou a rebelião de Kronstadt e o papel dos anarquistas na Revolução Russa. Estas informações lhe permitiram produzir e abrir caminho para trabalhos importantes nestes assuntos.

Ensinando na Queens College, ele buscou comunicar aos seus estudantes o "afeto e senso de solidariedade dos anarquistas como pessoas, em lugar de como militantes." Ele foi descrito como um amigo confiável de muitos anarquistas mais velhos que ele conseguindo entrevistá-los, preservando as histórias deles/delas para a História.

Ele escreveu extensivamente tópicos relacionados ao anarquismo, inclusive livros sobre Sacco e Vanzetti, Haymarket Riot e a Rebelião de Kronstadt. Outros trabalhos importantes incluem uma biografia de Voltairine Cleyre, O Movimento da Escola Moderna (um estudo inspirado em um programa educacional anarquista), e Retratos Anarquistas. Ele também editou a importante coleção de história oral, Vozes Anarquistas e falou regularmente no Libertarian Book Club em Nova Iorque. Avrich doou sua coleção de quase 20.000 livros entre publicações e manuscritos anarquistas, americanas e européias, para a Biblioteca do Congresso. (Pesquisa sobre Avrich realizada In: http://en.wikipedia.org/wiki/Paul_Avrich)

Neste livro, Voces anarquistas, editado pela Fundación Anselmo Lorenzo em 2004, Avrich apresenta 180 entrevistas das mais de 200 que realizou no período entre 1963 e 1991 nos Estados Unidos. Divide o livro em 6 partes: Os pioneiros, Emma Goldman, Sacco e Vanzetti, Escolas e colônias, Anarquistas de outras culturas e nacionalidades e, a Década de 20 e anos posteriores.

Ele adverte que nem todos os entrevistados são anarquistas, como por exemplo, Leon Shapiro, embora menchevique, manteve relações com anarquistas russos (Makno, por exemplo), entrevistou o advogado de Emma Goldman, duas de suas secretárias, duas testemunhas do caso Saco-Vanzetti e vários familiares, amigos e colaboradores de anarquistas, como por exemplo, os filhos de Johann Most, de Rudolf Rocker e o de Joseph Labadie; a filha de Kropotkin, a de Benjamin Tucker e de Gustav landauer e um neto de Nicola Saco. Entrevistou também a Daniel Guérin, Sam Dolgoff entre outros.

Nas 808 páginas de seu livro, as perguntas elaboradas por P. Avrich aos seus entrevistados procuram resgatar a importância do movimento anarquista, segundo ele, pouco compreendido, como também muito pouco conhecido os seus objetivos e sua natureza, além disso, acrescenta ainda, que nenhum grupo foi tão caluniado e mal interpretado pelas autoridades e pelo público. Por isso a importância destes depoimentos, para mostrar quem foram em realidade os anarquistas, que tipo de pessoas eram, por que se tornaram anarquistas, em quais atividades participaram, como reagiram em relação aos insultos das pessoas e a perseguição e repressão dos representantes oficiais. O que pretendiam e o que conseguiram? Modificaram suas noções sobre o anarquismo com o passar dos anos? Arrependeram-se de algo ou se sentiram desenganados?

O livro é uma importante fonte para todos que queiram estudar o anarquismo, ademais, o autor reúne a história de pensadores anarquistas das mais variadas tendências e de suas famílias: o anarquismo individualista, o anarquismo coletivista, o anarquismo comunista e o anarcosindicalista. Para além dos teóricos anarquistas, os relatos mostram os anarquistas de carne e osso, suas relações familiares, a educação de seus filhos, o carisma e a antipatia de uns e outros.

Gostaria de destacar das 180 entrevistas elaborados pelo autor, simplesmente, pelo pouco espaço disponível e, como forma também, de aguçar a leitura de todos os interessados pela temática, a da filha de Kropotkin, Alexandra, conhecida como Sasha, uma das entrevistas que mais gostei.

Alexandra nasceu na Inglaterra em 1887 e faleceu em 4 de julho de 1966 com 79 anos, filha única de Kropotkin (1842-1921). Com a queda do czarismo na Rússia em 1917 ela foi com seus pais para lá e voltou logo após a morte de seu pai em 1921 pois era contrária a ditadura bolchevique. Viajou para Nova Yorque, onde ficou morando e viveu escrevendo artigos para revistas, também escreveu um livro sobre a culinária russa. Embora não fosse anarquista, segundo Avrich (p.37), “guardou com grande carinho recordações de seu pai, deu conferências sobre ele no Libertarian Book Club e se manteve em contato com os companheiros”.

Logo no ínício da entrevista ela pergunta a Avrich: Está escrevendo uma história sobre o anarquismo russo? O que está tentando provar? Ela responde rapidamente: “Só há uma coisa importante, os filhos da puta dos comunistas queriam o poder. E lhe direi mais, havia um bocado de “cabrones” (sacanas, cornos) entre os anarquistas também.” (p.36).

Sasha, fala do ódio que tem pelos políticos e aos que buscam o poder e ressalta que o seu pai, Pedro Kropotkin, se negou a ver apenas um homem durante os anos que viveram na Inglaterra, Lenin, quando ele esteve para uma conferência lá no início do século XX. Ele aceitava encontrar com todo mundo desde o imperador japonês até o anarquista mais assustador. Kropotkin lhe ensinou a lutar com bastões, pois acreditava que as mulheres deveriam aprender a se defender.

Ela conta que quando Kropotkin voltou a Rússia em 1917, Kerenski lhe ofereceu um cargo ministerial, o da Educação. Segundo Sasha, seu pai respondeu indignado: “Não sabe que sou anarquista? Deppois Kropotkin conhece Lenin (a quem não quis encontrar na Inglaterra) num apartamento de Bonh-Bruevich. Emma Goldman visitou tambem ele em Dmitrov. Quando Kropotkin morreu, Lenin ofereceu uma cerimônia oficial e que fosse enterrado nos muros do Kremlim, mas Sasha recusou. Foi enterrado pelo ritual religioso junto a seus antepassados no monastério Novodevichii. Durante o cortejo fúnebre, quando passou pela prisão de Butirki, os prisioneiros, em homenagem, golpearam os barrotes das janelas e cantaram o hino fúnebre anarquista.

Ela ainda conta que escondeu até que tudo ficasse calmo um anarquista chamado Rubinchik que organizou a rebelião de Kronstadt. No final da entrevista sugere alguns nomes que Avrich poderia entrevistar, inclusive a Mark Mratchny que é psicanalista. E encerra a entrevista dizendo: A psicoanálise é uma merda, sabe?

Vale a pena conhecer um pouco dessa história. Nosso único exemplar, comprado diretamente da Fundação Anselmo Lorenzo, está disponível na biblioteca José Oiticica do ISVA para consultas.

sábado, 24 de abril de 2010

O Massacre de Haymarket e os Mártires de Chicago

Por Corrêa Felipe
Todos os anos nos deparamos com as tais festas do Primeiro de Maio, promovidas pelas grandes centrais sindicais e que enchem praças e avenidas com milhares de pessoas. Com o objetivo de atrair o público, em meio aos shows de artistas famosos, sorteiam até carros e apartamentos. Esquecemos, no entanto, que as origens dessa data tão importante marcam a luta dos trabalhadores contra as mazelas do capitalismo e suas brutais conseqüências sobre homens e mulheres. Como sempre, a história é contada pelos vencedores, e assim também aconteceu com a história do Primeiro de Maio, que até hoje não é muito conhecida. A mobilização dos operários de Chicago e de outros lugares do mundo aos fins do século XIX, reivindicando a jornada diária de oito horas de trabalho refletia uma luta contra o sistema capitalista e as péssimas condições a que estavam submetidos os trabalhadores.
A relevância atual desse tema é que os motivos que levaram a essa mobilização não mudaram tanto de lá para cá. Continuamos a viver em uma sociedade em que reina o desemprego e que esse serve de base para que salários cada vez mais baixos sejam pagos aos trabalhadores, e que o medo da perda desse emprego seja um fator que muitas vezes impede o trabalhador de se mobilizar politicamente. Continuamos a viver em uma sociedade em que impera a pobreza e a fome de muitos, para o benefício e a prosperidade de poucos. Ainda não temos o controle completo sobre nosso trabalho. As decisões sobre aquilo que nos afeta ainda estão conferidas a outros. Ainda não recebemos todos os frutos de nosso trabalho, que são roubados pelos proprietários das empresas para as quais trabalhamos. E essas são apenas algumas semelhanças dos fins do século XIX e dos dias de hoje.
Aos finais do século XIX, os Estados Unidos continuavam sua crescente onda de crescimento econômico, em grande medida, impulsionados pelos efeitos da Guerra de Secessão. A possibilidade de empregos nas fábricas, atraia estrangeiros e nativos. No entanto, as condições de trabalho eram precárias ao extremo. Em nome do lucro, os líderes capitalistas faziam com que homens e mulheres trabalhassem 12, 14 e até 17 horas por dia, em ambientes sem qualquer condição para o trabalho: muitos não tinham ventilação e iluminação adequada, eram extremamente sujos, etc.. Nem as crianças e mulheres grávidas eram poupadas. O desenvolvimento da crescente industrialização, das precárias condições de trabalho e das organizações operárias, criava um ambiente propício para a mobilização, com o objetivo de melhorar as condições de vida. Oscar Neebe, conhecido militante anarquista desse período, fez uma descrição do contexto da época em sua autobiografia:
“Eu trabalhava numa fábrica que fazia latas de óleo e caixas para chá. Foi o primeiro lugar em que vi crianças de 8 a 12 anos trabalharem como escravos nas máquinas. Quase todos os dias, acontecia de um dedo ser mutilado. Mas o que isso importa... Eles eram remunerados e mandados para casa, e outros tomariam seus lugares. Acredito que o trabalho infantil nas fábricas tenha feito, nos últimos vinte anos, mais vítimas do que a guerra com o sul, e que os dedos mutilados e os corpos destroçados trouxeram ouro aos monopólios e produtores.”
É dentro desse contexto que se dá o movimento reivindicativo que marcou na História essa importante data do Primeiro de Maio. Há anos, existia a idéia de que o dia dos trabalhadores deveria ser dividido em três partes: oito horas para o trabalho, oito horas de sono e oito horas para o lazer e o estudo. No ano de 1884, a Federação dos Sindicatos Organizados dos Estados Unidos e do Canadá (precursora da Federação Americana do Trabalho - AFL) declarou que a partir do dia 1 de maio de 1886, a jornada de oito horas de trabalho passaria a vigorar, apesar dos capitalistas afirmarem que isso era impossível. Esse movimento, na realidade, refletia uma das reivindicações centrais dos movimentos operários da época, e continuava a mobilização já iniciada anteriormente em países como Inglaterra, França e Austrália. As adesões para o movimento foram muito grandes, já que a reivindicação central era comum a todos os trabalhadores. Um pouco antes do tão esperado Primeiro de Maio de 1886, milhares de trabalhadores haviam aderido a luta pela redução da jornada. “Brancos e negros, homens e mulheres, nativos e imigrantes, todos estavam envolvidos.”
No dia 01 de maio de 1886, as ruas de Chicago foram tomadas pelo povo, em protestos e greves cujo objetivo central estava na redução da jornada de trabalho. Chicago, na época, era o principal centro de agitação política dos EUA e os anarquistas exerciam a maior influência no movimento. De acordo com o relato de um jornal da época “não saia qualquer fumaça das altas chaminés das fábricas e dos engenhos, e as coisas assumiam uma aparência de sabá (o sábado judeu)”. Entre 80 e 90 mil pessoas saíram às ruas em apoio ao crescente movimento somente na cidade de Chicago. Grandes manifestações com mais de 10 mil pessoas também aconteceram em Nova York e Detroit. Aconteceram reuniões e comícios em Louisville, Kentucky, Baltimore e Maryland. Estima-se que por volta de meio milhão de pessoas tenha tomado parte nas manifestações do Primeiro de Maio nos EUA. Estima-se também, que por volta de 1200 fábricas entraram em greve em todo o país em apoio ao movimento.
A posição dos líderes capitalistas era claramente refletida na imprensa da época que chamava os manifestantes de “cafajestes, preguiçosos, e canalhas que buscavam criar desordens”. Outro veículo da imprensa afirmava que “Esses brutos [os operários] só compreendem a força, uma força que possam recordar durante várias gerações”. Os capitalistas compravam armas de fogo para a polícia local. Esses são apenas alguns exemplos da “rede de apoio” que se formou entre patrões e a mídia, todos em defesa do Capital e da ordem estabelecida. No dia 03 de maio, as manifestações e greves continuavam.
August Spies, um tipógrafo anarquista e editor do periódico Arbeiter-Zeitung, discursou para 6 mil trabalhadores. Ainda enquanto ele falava, os fura-greves da fábrica Mc Cormick Harvester estavam saindo, e parte dos manifestantes deslocou-se para a frente da fábrica, com o objetivo de incomodar os fura-greves. Isso aconteceu pois o local em que falava Spies, ficava a um quarteirão da fábrica. Os manifestantes desceram a rua e fizeram com que os fura-greves voltassem para dentro da fábrica. Foi então que chegou a polícia. Eram aproximadamente 200 policiais que, ao reprimir os manifestantes, acabaram matando seis pessoas (outras fontes dizem quatro ou sete), ferindo e prendendo muitas outras. Spies, vendo o resultado brutal da repressão policial, dirigiu-se ao escritório do Arbeiter-Zeitung, e fez uma circular, convocando os trabalhadores para uma outra manifestação no início da noite do dia seguinte.
O protesto do dia 04 de maio aconteceu na Praça Haymarket, e nele discursaram além de Spies, Albert Parsons, tipógrafo e militante anarquista, e Samuel Fielden, imigrante inglês, operário da industria têxtil e também militante anarquista. Os discursos pediam unidade e continuidade no movimento. Havia aproximadamente 2500 pessoas no local, que até o momento faziam um protesto pacífico, tão pacífico que o prefeito Carter Harrison, presente no início dos discursos, afirmou que “nada do que acontecia, dava a impressão de haver necessidade de intervenção da polícia”. Já no final da noite, o mau tempo contribuía para que houvesse apenas umas 200 pessoas na praça. Com a ordem de dispersar a manifestação imediatamente, um grupo de 180 policiais chegou ao local. Apesar de Spies ter dito que os manifestantes eram pacíficos, a polícia iniciou o processo de dispersar o ato. Foi nesse momento que uma bomba explodiu em meio aos policiais, matando sete e ferindo aproximadamente 70. A polícia imediatamente abriu fogo contra a população, sendo responsável por incontáveis mortes. Alguns relatos falam em 100 mortos e dezenas de presos e feridos. Ninguém nunca soube se quem jogou a bomba foram os manifestantes ou a própria polícia, para incriminar o movimento.
Em sua autobiografia, Spies diria algum tempo mais tarde que
“[...] O anarquismo não era nem mesmo mencionado. Mas o anarquismo era bom o suficiente para servir como um bode expiatório para Bonfield [chefe de polícia de Chicago]. Esse demônio, com o objetivo de justificar seu ataque assassino à reunião, disse: ‘eram anarquistas’. - ‘Anarquistas! Oh, que horror!’ A estúpida massa imaginou que - anarquistas - deveria ser alguma coisa muito ruim, e incorporou o refrão junto com seus inimigos e espoliadores: ‘Crucifiquem-nos! Crucifiquem-nos!’”
O fato é que o acontecimento da bomba foi utilizado como motivo para a perseguição de todo o movimento radical de trabalhadores. A polícia invadiu casas e escritórios de suspeitos e houve muitas prisões. Muitas pessoas que nem sabiam o que era anarquismo ou socialismo foram presas e torturadas. Definitivamente, a polícia primeiro atacava e prendia, para depois averiguar se havia alguma “culpa” dos acusados.
O resultado desse processo foi a prisão temporária de Rudolph Schnaubelt, acusado de jogar a bomba. Ele foi solto depois de algum tempo sem acusações formais e há quem diga que ele era um agente pago pelas autoridades para cometer o atentado. Com Schnaubelt solto, a polícia prendeu Fielden e seis imigrantes alemães: Spies, Oscar Neebe, funileiro, Adolph Fischer, tipógrafo, Louis Lingg, carpinteiro, George Engel, tipógrafo e Michael Schwab, encadernador. A polícia também procurava Parsons, já que ele era um importante líder da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) em Chicago, mas ele conseguiu se esconder e não ser capturado. Parsons acabou depois se apresentando no dia do julgamento. Apesar de apenas três deles terem estado presentes no dia da explosão da bomba, foram todos incriminados e responsabilizados por esse motivo.
O julgamento teve início em 21 de junho de 1886 com um júri nitidamente manipulado. Ele era composto de empresários, seus funcionários e um parente de um dos policiais mortos. Não houve provas apresentadas contra os anarquistas e nada que levasse a uma conexão clara dos acusados com a explosão da bomba. Não houve também, quaisquer provas de que eles teriam incitado a violência ou algo do tipo em seus discursos. No entanto, o resultado do julgamento foi um claro reflexo do medo por parte da sociedade burguesa em relação aos operários organizados e combativos. Numa deliberada tentativa de conter o crescente movimento operário, sete dos acusados foram condenados à morte em 19 de agosto. Neebe foi condenado a 15 anos de prisão.
Apesar de insistir não ser culpado, Neebe, em uma demonstração de solidariedade aos seus companheiros, falou ao juiz que sentia não ser enforcado com os outros. A punição aos anarquistas deveria servir como um exemplo à sociedade, mostrando o que aconteceria àqueles que desafiassem o poder das instituições do Estado e do Capital. Spies pronunciou-se em sua última defesa falando sobre os enforcamentos: “Aqui terão apagado uma faísca, mas lá e acolá, atrás e na frente de vocês, em todas as partes, as chamas crescerão. É um fogo subterrâneo e vocês não podem apagá-lo”.
Importante também a defesa proferida por Parsons:
“A propriedade das máquinas como privilégio de uns poucos é o que combatemos, o monopólio das mesmas, eis aquilo contra o que lutamos. Nós desejamos que todas as forças da natureza, que todas as forças sociais, que essa força gigantesca, produto do trabalho e da inteligência das gerações passadas, sejam postas à disposição do homem, submetidas ao homem para sempre. Este, e não outro, é o objetivo do socialismo.”
Schwab e Fielden tiveram suas penas comutadas para prisão perpétua, depois de uma grande campanha pela liberdade dos acusados. Lingg suicidou-se na prisão um dia antes de ser enforcado. Em 11 de novembro de 1887 Spies, Parsons, Fischer e Engel foram enforcados, e assim ficaram conhecidos como os Mártires de Chicago. Milhares de pessoas tomaram parte na procissão dos funerais e a campanha para liberdade de Fielden, Schwab e Neebe continuou. Em 26 de junho de 1893 o governador Altgeld libertou-os, alegando que eram inocentes do crime que estavam sendo acusados.
Em 1890 as manifestações de Primeiro de Maio se generalizaram nos EUA e Europa, assim como no Chile, Peru e Cuba. O movimento pela jornada diária de oito horas de trabalho ganhou tanto apoio, que acabou fazendo com que o Primeiro de Maio fosse uma data mundial de mobilização. Depois disso, generalizaram-se as manifestações no Brasil, na Rússia e Irlanda, e tomaram o mundo de maneira crescente.
No Brasil, o Primeiro de Maio é comemorado desde 1894 e tornou-se um feriado nacional por um decreto do ex-presidente Arthur Bernardes em 1925. A jornada diária de oito horas de trabalho foi incorporada na legislação brasileira por Getúlio Vargas na década de 1930. Ainda em seu governo, regulamentou o direito às férias e à aposentadoria, promulgando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Essa atitude de Getúlio, muito mais do que benevolência, refletia aceitação, por parte do governo, às reivindicações que eram feitas pelos movimentos operários desde os anos 1910. Além disso, muitas industrias já davam esses benefícios a essa altura dos acontecimentos. Com a Constituição de 1988, incorporou-se às leis brasileiras as férias remuneradas, o 13º salário, a multa de 40% sobre o fundo de garantia em caso de demissão, licença maternidade, entre outros “benefícios” conhecidos hoje por nós.
Atualmente, com a adoção das políticas neoliberais por parte dos nossos últimos governos, e com as novas propostas de “flexibilização” das relações de trabalho, estamos perdendo os direitos que conquistamos depois de longas jornadas de mobilização e reivindicação. Os trabalhadores que ainda têm carteira assinada podem considerar-se privilegiados, pois a grande maioria dos trabalhadores não tem mais registros formais. Não têm direito a férias remuneradas, vale-transporte, multa em caso de demissão, 13º salário, entre outros benefícios que um trabalhador registrado formalmente tem. Além disso, ter um trabalho hoje, poder vender a sua força de trabalho e deixar-se explorar pelos patrões tornou-se um benefício. Há milhões pelo mundo que nem isso conseguem. As centrais sindicais transformaram-se em redutos burocráticos e corruptos, com vistas apenas aos seus próprios interesses. O povo é tratado com a política do pão-e-circo, que agora, além de ser propagada pelo governo, tem a ajuda dos sindicatos com os “Primeiros de Maio” de festas e sorteios. Definitivamente as políticas institucionais mostraram-se ineficazes para conquistar, ou ao menos garantir, os poucos direitos que os Estado ainda nos concede. Já está mais do que na hora de nos inspirarmos nos antigos militantes operários e, através da ação direta, reivindicarmos o direito a uma vida em liberdade. Temos todos o direito a uma vida com a possibilidade de participação completa nas decisões que nos afetam, que esteja livre da opressão e que nos propicie minimamente as tão antigas oito horas de trabalho, oito horas de sono e oito horas para o estudo e o lazer.
Bibliografia Consultada:
August Spies. Autobiography.
Jorge E. Silva. As Origens Trágicas e Esquecidas do Primeiro de Maio.
L. Gaylord. O Primeiro de Maio.
Lázaro Curvêlo Chaves. Primeiro de Maio - Dia Mundial do Trabalho.
Lilian Caramel. A Origem do Dia do Trabalho.
Michael Thomas. May Day in the USA: A Forgotten History. Oscar Neebe. Autobiography.
Tom Moates. Reclaiming Our History. May Day & the Origins of International Workers Day.
W. T. Whitney, Jr. May Day and the Haymarket Martyrs. Workers Solidarity Movement. The Anarchist Origins of May Day.
Fonte: Fondation Pierre Besnard In: http://www.fondation-besnard.org/article.php3?id_article=388

Primeiro de Maio


Primeiro de Maio no ISVA

O Primeiro de maio não é um dia de festa.
É um dia de protesto e de luta para a classe trabalhadora.
Participe 16 horas
Sábado
BATE PAPO, PALESTRAS
Assista o filme
Eles não usam Black TIE

Local: Estrada da Valéria, 103 – final de Linha do Derba
Sítio de Seu Antonio
Email
institutovaleria@ig.com.br
Tel (71)3291-0504

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Anarquia


Primeiro de Maio no ISVA


O Primeiro de maio não é um dia de festa. É um dia de protesto e de luta para a classe trabalhadora.
Participe 16 horas
Sábado
BATE PAPO, PALESTRAS
Assista o filme Eles não usam Black TIE

quinta-feira, 8 de abril de 2010

  • The Collector, de Martin Hampton
    Documentário, 2003/2006 [27’ Francês, legendado em inglês]

    Durante 50 anos, Chirstian coleccionou coisas que outros deitavam fora. O presidente da câmara municipal tentou proibi-lo, mas ele continuou o seu trabalho à noite, para evitar ser visto.
    Louco, desesperado pelo desperdício da vida moderna, trabalhou 365 dias por ano para salvar coisas que ainda acreditava serem úteis, guardando-as na sua casa ou em locais que só ele conhecia. A sua enorme colecção de frigoríficos, televisões, brinquedos, sapatos, livros, etc.., que guarda uma história dos hábitos de consumo da sua cidade, é considerada por alguns como um enorme trabalho artistico.
  • espaço temporário*multicultural*intervencionista*gratuito*sem fronteiras*sem rosto*experimental*revoltado*de cidadania

quarta-feira, 7 de abril de 2010

http://ohomemrevoltado.blogspot.com/
somos bicho, mas bicho homem que se humaniza num ambiente que seja propício a solidariedade...portanto, que fique registrado:na periferia não tem só violência como a mídia alardeia todos os dias, mas temos frutas saborosas, camaradagem entre vizinhos e conhecidos, crianças curiosas em busca de aprendizado, bibliotecas comunitárias recheadas de quimeras, escolas experimentais onde a liberdade é a base de relações não-hierárquicas, economia solidária contra o desemprego sistêmico, idosos prontos em compartilhar conhecimentos sobre a vida cotidiana (façamos nós mesmos: mutirão), autogestão social etc.

tavares

terça-feira, 6 de abril de 2010

Tempo de plantar e de colher

















A safra da Cajá, chegou. A da cereja do campo também, as acerolas, o ingá, o abacate, o cacau e as sementes da mucunã. No dia 5 de abril de 2010, segunda-feira, limpamos os galhos, as galhas e os restos de plantas que escondem as cajás que ficam espalhadas pelos caminhos do ISVA. Cuidamos também de um pé de fruta-pão que já quer passar para a fase de adolescente, assim como, um pé de gameleira (planta sagrada para os que cultuam o candomblé). Cuidamos da Amescla-de-cheiro árvore em extinção da Mata Atlântica. Coletamos cajá, e já apareceram várias pessoas interessadas em adquirir, inclusive para pequena produção de picolé e sorvete.