quinta-feira, 16 de abril de 2009

Ecopedagogia com Educomunicação: tempo, conversa com a árvore e o ECO

Dedico este texto a Maya P., Educadora Popular - México (saludos y continuidad en caminos de libertacion, viva a Zapata!), assim como a todos o irmãos latinoamericanos; nos encontraremos ao tempo, quando não fisicamente, mas em sonhos.

Iniciamos as atividades de educomunicação com ecopedagogia no ISVA – Instituto Sociambiental de Valéria. As atividades são realizadas por mim e venho observando/interagindo/dialogando com o lugar, as crianças que ali visitam junto aos seus familiares e vizinhos. A prática em educomunicação é uma compilação dos aprendizados adquiridos nos últimos anos, principalmente a experiência trazida com o Projeto Cala-Boca-Já-Morreu, produzido pelo Gens Empreendimentos Educacionais de São Paulo e as formações realizadas no Coletivo Jovem Pelo Meio Ambiente – Grupo Pegada Jovem - Salvador. A ecopedagogia é uma pesquisa e ação, iniciada no 1º semestre do ano passado como aluno especial do Mestrado em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, instigado pelos textos de Capra ou organizados por ele, trazidos pelo Prof. Doutor Eduardo Nunes.
As atividades estão acontecendo aos domingos pela manhã com um grupo de crianças e adolescentes que freqüentam por livre e espontânea vontade a Biblioteca José Oiticica, situada no ISVA. Como estamos no início, não temos um produto de comunicação bem definido. Pensamos em realizar um pequeno Fanzine e houve a escolha do nome. Vai se chamar “Jornal das Crianças”. A idade dos editores desse produto varia entre sete a dezesseis anos. Eles mudam de função na produção do jornal de acordo com o que estão a fim de fazer.
Diferente de alguns trabalhos que já realizei; aqui se faz o que se pensa e o que se quer de verdade. Não temos meta, nem tempo para produção. Não se fala em Pinochet como referência para ser linha dura (tem educadores por aí, fazendo trocadilho: tem que ser um pouco Pinochet e um pouco Piaget). Imagine a atuação com as crianças nos momentos Pinochet... histeria em sala? Nada de holocausto em nosso diálogo, a política do medo e da obrigação, não faz parte dessa didática.
Na verdade não temos sala, mas muitos espaços a serem descobertos. Uma agrofloresta, um tanque para refrescar, um cineclube, uma biblioteca, uma cozinha, um forno a lenha e a rua. Sim, a rua é a grande educadora, a TV também, a Lan House com jogos e internet, as relações familiares, enfim, o meio que se vive pulsa de aprendizados. O importante é dialogar sobre o mundo vivido e traduzirmos o que esses momentos cotidianos nos dizem.
A essa prática, experimentamos localmente as lições das vivências contidas nos textos do livro organizado por Capra, sobre Educação Ecológica, cujas referências não estão aqui nesse textinho. É que ficou no computador do grande parceiro de trabalho Igor Sant´Anna, mestrando em Educação, Urbanista e Palhaço. É verdade que esse texto não tem a função de ser científico, mas de informar aos caros leitores de algo que está sendo feito seguindo o tempo em sua plenitude. Lembro das aulas do Prof. Doutor Gey Espinheira – Universidade Federal de Bahia - UFBA, ele diz: temos que andar com o Tempo, afinal de contas Tempo é um Orixá e deve ser respeitado! Minha yá diz a mesma coisa.
Para alguns, o uso do tempo de um projeto significa: planejamento de aula, cumprimento de metas, criação de diversos produtos, conferências, mostra de produtos, relatórios, simpósios, fóruns, conselhos, reuniões e vamos incrementar com uma passeata, convidar fulano de tal e importar sicrano, falar mal de beltrano e emplacar verba para o próximo ano: GOOOOOOL! Haja dinheiro teta brazilis! São os Tempos Modernos no Quanto Vale ou É Por Quilo. E assim se vai vivendo, se alimentando e aburguesando.
cada macaco no seu galho, xô chuá
eu não me canso de falar...

Sem a pretensão de ser tal coisa e nem sequer pensar nos lo(u)iros, (mesmo porque descobrir que meu negócio, verdadeiramente, são as pretas – alquebradas seguravam nas suas tetas os pretos antepassados) do meu galho idealizo a construção coletiva de alguns produtos de comunicação aos olhos, mãos, pés, corpo inteiro infanto-juvenis e como ia dizendo anteriormente, realizamos ecopedagogia com trilhas pelo ISVA.
Isso não significa que as reuniões, planejamentos, fortalecimento de conselhos, relatórios, entre outras coisas não sejam importantes, são e muito, porém a minha crítica está associada ao mercado organizacional que surge às brechas do Estado e se apropria, com aval da chancela governamental, dos espaços de poder, inclusive de instituições públicas, medindo forças com seus gestores. A antiética dos ongeiros que assim se comportam se dá pela facilidade de acesso a altos escalões do Estado; muitas vezes seus representantes acabam assumindo esses cargos comissionados e utilizam dessas relações para pressionar e fazer valer seus projetos/ações diante de gestores públicos conflituosos que não concordam com a invasão deliberada. Por outra via, a aceitabilidade das instituições públicas às ONG´s é alta, pois minimizam a ausência do Estado que não consegue suprir as necessidades básicas, a exemplo disso, na educação brasileira as escolas públicas municipais e estaduais passam por sérios problemas, como falta de equipamentos, professores, merenda e aumento da violência dentro da sala de aula.
Rabo do elefante branco faz do movimento ongeiro o terço da política. Se por um lado geram um mercado próprio de grande disputa por verbas e uso inescrupuloso das relações de poder. Relações trabalhistas não respeitadas, estranho enquadramento jurídico, ausência de transparência na gestão dos recursos junto ao público diretamente beneficiado. Cerca de 70% desses recursos ficam dentro das próprias instituições bancando as contas de seu quadro bem remunerado, pelo menos, muito melhor do que o público atendido. Em outra via, há execução de trabalhos/projetos que beneficiam comunidades e instituições de forma que o próprio Estado não o consegue realizar.
Sabemos da existência de instituições da sociedade civil organizada que tem ética e valores bem definidos e surgem na esfera dos movimentos sociais de forma genuína, a exemplo disso, aconteceu o Movimento de Defesa do Menor (1979-1980) iniciado por Lia Junqueira em São Paulo, precursor do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. O trabalho incrementado por Carlinhos Brown no Candeal – Salvador (BA), o projeto do Afro Reggae na Vila Canária - Rio de Janeiro (RJ), esses dois últimos têm características semelhantes, pois realizam a educação através da cultura, desenvolvendo as diversas potencialidades no mundo das artes; Na área ambiental há várias experiências, como o GAMBÁ – Salvador (BA) que realiza, entre outras ações, o controle de políticas públicas e serviu como berço para o Coletivo Jovem Pelo Meio Ambiente – Pegada Jovem de Salvador, esse, por sua vez, vem mobilizando a juventude em todo o Estado, gerindo poucos recursos de forma coletiva e realizando grandes ações. São muitos exemplos de trabalhos efetivos, eficientes, planejados e com intencionalidades políticas claras feitas por instituições do terceiro setor.
Participando do III Encontro de Latino Americano de Educação Popular Ambiental – Cuba no final do ano passado (Nov-2008), entrevistei diversos líderes de comunidades agrícolas, assim como, técnicos das áreas de biologia, agricultura urbana, educação ambiental e percebi o quanto a incidência política se dá a partir de ações locais bem planejadas e executadas. Somente que a metodologia para esses líderes está de tal forma internalizada que os processos se tornaram orgânicos, fazendo com que as comunidades desenvolvam relações produtivas, afetivas, dialógicas interessantes.
Nas trocas de experiências constatei a importância de Paulo Freire nos movimentos sociais populares da América Latina e como os sistemas comunicativos precisam ser abertos e apropriados pelas comunidades. A dura realidade de domínio do Estado pelos meios de comunicação e ainda o monopólio dos meios por fortes grupos econômicos fazem da luta pela democratização do acesso e produção de tecnologias de comunicação muito desafiadora na Latino América. É imprescindível a presença de educadores dentro dos espaços formais e não formas que comprem essa luta e saibam como atuar junto aos educandos numa tentativa de realizar um projeto de contra cultura ao domínio. Isso está diretamente associado à necessidade de reflexionarmos sobre os nossos costumes de consumo, as relações de poder que construímos dentro dos espaços de trabalho e família, e as disputas diárias que temos para satisfazer nossos projetos de vida.
Os caminhos não são fáceis, há muita dificuldade em mobilizar as comunidades, até para realizar oficinas, conseguir apoio e dar continuidade aos processos de interação. Há diversas justificativas para isso, variando desde as condições materiais, a exemplo da comunidade de Valéria (bairro periférico de Salvador/BA) que é muito pobre em recursos financeiros, facilitando o aumento por adeptos ao narcotráfico e ao alcoolismo; baixos níveis de escolaridade o que dificulta a reflexão crítica e a aprendizagem; falta de acesso a boa alimentação, serviços de saúde e lazer o que traduz uma realidade comum para a maioria da população da nossa cidade, estado, país. Prostituição infantil, meninos e meninas em vulnerabilidade social nas ruas, desemprego, são mazelas que carregamos desde que Brasil é Brasil.
Nos nossos quinhentos anos de extermínio aos índios e negros, pouca coisa mudou, apenas cremos que passamos a sermos mais civilizados, pois observamos nos noticiários de TV nossas naturalizadas chacinas, tantas que já não nos ocupamos com elas. Somos tão genocidas que vemos os corpos ao chão e fotografamos em nossos celulares, fascinados pela brutalidade dos atos da polícia e de traficantes. É o nosso brincar de polícia e ladrão diário, seja no café da manhã, almoço, jantar e também nos intervalos para lanche, estamos de olhos e ouvidos atentos ao suculento ruído das sirenes e as manchas de sangues por todos os lados, ou melhor, por todos os meios de comunicação de massa. Baila a orquestra do pânico nas cidades brasileiras.
Pensar e agir coletivamente, de verdade, pressupõe entrega, o que não significa escravidão, mas uma pré-disposição a ser libertário e sair de esquemas determinados de manipulação/competição, ou ainda, atuar nesses espaços de forma contrária. Deixar transparente as relações de poder predominantes, buscar coletivamente possibilidades de transformações e utilizar as tecnologias de informação e comunicação como ação política de democratização/libertação.
Para o projeto Cala-a-boca-já-morreu, a intencionalidade do educador/mediador é uma dos pontos chaves no desencadeamento do processo educomunicativo. Ismar Soares, Prof. Doutor da ECA/USP aposta na gestão do sistemas comunicativos a partir do amplo diálogo e sistematização dos processos, isso significa avaliação, administração e planejamento permanente. Ismar Soares chega a não distinguir educomunicação de política, ou seja, trabalhar na perspectiva da educomunicação é fazer ação política. A junção das palavras incidência e intencionalidade é nossa forma de fazer política, ou seja, temos a intenção e a capacidade de interagir politicamente na comunidade com ações de participação.
Como isso se dá? Sinteticamente, a resposta vem na prática do diálogo entre os atores do meio/comunidade (Ismar Soares chama de construção de ecossistema comunicativo). Experimentamos o diálogo na perspectiva de Paulo Freire, ou seja, formamos círculos de cultura, espaço de comunicação e desenvolvimento social, onde seus integrantes são os responsáveis por suas ações/interesses e todos têm o mesmo poder de decisão. No ISVA, as crianças desse trabalho inicial de educomunicação e ecopedagogia formam um círculo de cultura.
No domingo passado, conversamos com uma árvore de raízes frondosas em colunas. Ela é espinhosa e deve ter uns 40 metros de altura; nome, idade e espécie me faltam pelo pouco conhecimento em Botânica. Batizamos nossa conversa de ECO. É que entre as paredes de suas raízes, dizíamos: “árvore, árvore... árvore de raízes grandes sempre esteja aqui para nos proteger e trazer alegria...” Ao finalizarmos as palavras, descobríamos que nossas vozes reverberavam entre as entranhas raízes. Daí, repetimos a palavra ECO com várias tonalidades e volumes. Isso deu a sensação de estarmos dentro de uma grande caixa alto-falante.
As crianças falavam, reverberavam vozes e sorrisos. O sol atacava pelas pequenas flechas das folhas da grande árvore espinhosa e mal chegava a nós. Tarde prazerosa, terminava com a tarefa para casa de fazermos nossa árvore genealógica.
Que tal uma nova conversa com a árvore que fura e fura após descobrirmos os nossos antepassados? Creio que essa será a nossa próxima atividade. Dessa vez vou convidar Sr. Antônio, grande conhecedor da natureza, para tirar dúvidas sobre idade, nome, família, função, entre outras cousas daquela sábia árvore.
Há um planejamento mais orgânico do que aquele realizado junto com as alterações dos dias, das noites e suas visitas surpresas?
Os índios da tribo Kariri-xocó (Nordeste-Brasil), nos falam sobre o tempo do homem branco e o tempo da natureza. Claramente percebemos que os índios não se distinguem da natureza, ao contrário, contemplam o meio ambiente ao fumo do Tabaco para a escuta e aos assobios trazem notícias de algo ainda incompreensível para a humanidade capitalista.
Na contramão do burgo ongeiro; esse que almeja por ser tutor de políticas públicas a benefício próprio, empresariando suas imagens numa atitude de envergada disputa pelo nicho dos recursos públicos; esse do é tempo de murici, cada um que cuide de si (tirei de um livro de História da 7º série do colegial, que não lembro mais o nome, porém me recordo da querida educadora negra que carinhosamente chamávamos de Conça), pensamos num tempo voltado para uma ética libertária e de benefício coletivo.
Observação: ainda não somos índios, mas resgatamos as heranças de nossos antepassados.
É verdade, viajamos muito naquela alta árvore, tanto que bateu onda e escrevi esse pequeno texto para vocês.
Abraços,
Herbert da Silva
Conheça o ISVA e contribua com ações para a sustentabilidade e liberdade.
Visite-nos em http://isva-institutosocioambientaldevaleria.blogspot.com/

Um comentário:

Anônimo disse...

Mikhail Bakunin:

"Poderá ser completa a emancipação das massas operárias enquanto recebam uma instrução inferior à dos burgueses ou enquanto haja, em geral, uma classe qualquer, numerosa ou não, mas que por nascimento tenha os privilégios de uma educação superior e mais completa? Propor esta questão não é começar a resolvê-la. Não é evidente que entre dois homens dotados de uma inteligência natural mais ou menos igual, o que for mais instruído, cujo conhecimento se tenha ampliado pela ciência e que compreendendo melhor o encadeamento dos factos naturais e sociais, compreenderá com mais facilidade e mais amplamente o carácter do meio em que se encontra, que se sentirá mais livre, que será mais hábil e forte que o outro. Quem souber mais dominará naturalmente a quem menos sabe e não existindo em princípio entre duas classes sociais mais que esta só diferença de instrução e de educação, essa diferença produzirá em pouco tempo todas as demais e o mundo voltará a encontrar-se em sua situação actual, isto é, dividido numa massa de escravos e num pequeno número de dominadores, os primeiros trabalhando, como hoje em dia, para os segundos."